quarta-feira, abril 19, 2006

Hesitação

Vivi-a de manhã. Acordei bem pior. O médico disse que devia acordar menos vermelha e acordei mais vermelha, na cara e no corpo. Olhei-me no espelho e não consegui impedir-me de chorar. Ia entrar num avião, para fazer uma viagem de não sei quantas horas (muitas!), assim? Telefonei para o Hospital, não me deixavam falar com um médico, diziam, e bem, que não se pode fazer diagnósticos por telefone, lá os convenci que se fosse ao Hospital perdia o voo, eventualmente, em vão. Puseram-me em linha com um médico. Disse-me que era seguro fazer a viagem, que era normal que ainda estivesse assim, vermelha. Enfim, lá fui para o aeroporto. Fiz o check-in, e esperei. O meu voo saía às 8:30 para Frankfurt.
Em Frankfurt voltei a hesitar em entrar no avião para San Francisco (voo de 11 horas). Estava pior, não queria acreditar, mas estava. A minha mãe ligou novamente para o Hospital e disseram-lhe que se eu conseguisse suportar a eventual comichão (que felizmente quase não tinha) podia seguir viagem. Segui.

11 horas

Foi o maior voo que fiz, no maior avião que já alguma vez andei (um B747-400). Quase não dei pelas horas, tal era a inquietação. Não me sentia melhor, via as minhas mãos mais vermelhas, e continha-me para não chorar. Para me distrair resolvi começar a ler um livro que me deram e que levei comigo. O livro fala de uma viagem difícil, verídica. Embrenhava-me na história contada na primeira pessoa para esquecer a minha. Passadas umas horas, não sei quantas, arranjei coragem para ir ao lavatory. Olhei-me no espelho, estava pior. Não me reconhecia naquele espelho. É engraçado as coisas que nos passam pela cabeça quando não estamos bem, quando não estamos nada bem. É assustador vermos o nosso corpo alterado. Quando nos dói algo sabemos que algo não está bem, mas não vemos a dor, sentimo-la. Na minha situação para além de se sentir, vê-se o que está a acontecer. Só queria adormecer e acordar boa, ou melhor, perceber que era só um pesadelo. Larguei o livro por instantes e dormi, fui dormindo aos poucos, entre capítulos. Voltei a ver-me ao espelho e estava pior, o pesadelo não acabava. Lá chegámos a São Francisco. Foi facílimo passar pelos customs. Tinha algumas horas de espera. Voltei a olhar para o meu corpo e estava pior. Sentia-me em processo de negação de cada vez que constatava que estava pior. Liguei para algumas pessoas em Portugal e só quando me disseram que lá eram 1:00 é que percebi porque é que me atendiam o telefone com uma voz ensonada. Estava completamente desorientada. O que me estava a acontecer e os comprimidos que estava a tomar colocaram-me num estado tal que parecia que as coisas não estavam bem a acontecer e que eu não estava bem ali. Nem sei como é que me apercebi quando anunciaram que a gate do meu voo tinha sido alterada.

Cheguei

Cheguei a Reno. Não sabia bem quem é que me vinha buscar. Se fosse o Scott teria de esperar umas duas horas porque ele tinha aulas, se fosse o Shawn, talvez não. Fui buscar as minhas malas e esperei na zona de Baggage Claim, como combinado. Não sei quanto tempo esperei. Durante esse tempo tentei animar-me. Era difícil, até fisicamente. Era-me difícil esboçar um sorriso, sentia os músculos faciais presos. Depois de chegarem uma série de voos com pessoas que vinham esquiar ou jogar, um empregado do aeroporto, que deve ter ficado com pena de me ver ali à espera há não sei quanto tempo, veio falar comigo. Perguntou-me de onde era, eu disse de Portugal. A conversa do costume, que é longe, blá, blá, blá, até que pergunta, só para confirmar, se em Portugal se fala português!? Eu disse que sim e ele diz-me que está a estudar português porque tem um amigo no Brasil e quer ir para lá viver. Diz-me umas coisas em português e saca dos seus apontamentos. Coincidências! O Shawn chegou, levou-me a casa (a Amy tinha-lhe dado a chave) e deixou-me, a descansar.

Gerbera daisies


À minha espera estavam a Sabel (a cadela de 12 anos), o Jasper (o gato de 16 anos), as coisas que gosto no frigorífico, a decoração nova da casa de banho e do quarto, um cartão de Boas-Vindas do Scott e da Amy e… flores, lindas.
Obrigada.

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